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domingo, 26 de julho de 2009

Crise de humor na TV!

Parece tudo muito simples: homens como Chico Anysio e Jô Soares juntam-se às equipes de redação e produzem textos que fazem a maioria da população rir. A impressão que dá é a de que são ótimas ideias. Mas não, são apenas diálogos rápidos e situações absurdas, que são o suficiente para ser “engraçado”.

Os programas humorísticos como “Casseta & Planeta” estão cada vez mais chatos. Há mesmo uma “crise” do humor televisivo nacional, algo que se traduz em resultados mais grosseiros e menos imaginativos.

Existe uma lei que costuma frequentemente prevalecer no exercício das mais diversas atividades: a do menor esforço. Isso é algo que salta aos olhos na televisão, onde muitos profissionais até começam cheios de planos e de boas intenções, mas logo acham uma maneira de transformar em fórmula qualquer ideia que tenha dado minimamente certo.

Assim, na publicidade, por exemplo, qual seria a fórmula quase absolutamente garantida que, não importa o produto, ocorre sempre aos espíritos preguiçosos? Obviamente, a nudez feminina. Com esta, pode-se anunciar de tudo: sabonete, relógios, automóveis, bebidas, etc.

Coisa semelhante ou idêntica ocorre com os programas humorísticos, pois neles o uso de formulas é obrigatório. É provável que, em qualquer circunstância e em todos os meios, o humor dependa de um número limitado de fórmulas. Um levantamento estatístico mostraria que, numa época e lugar determinados, 85% das “piadas” não passam de variações previsíveis sobre meia dúzia de assuntos: a zombaria de quem está no poder, os estereótipos étnicos (o português burro, o judeu muquirana, o baiano preguiçoso, o argentino convencido, etc.), o que os homens pensam sobre as mulheres e vice-versa.

Parece que no Brasil uma fatia importantíssima do humor depende de tudo aquilo que diz respeito à masculinidade duvidosa, os principais alvos da caçoada sendo o homossexual e o marido traído. E um dos recursos mais fáceis para fazer o público gargalhar é colocar em cena um homem vestido de mulher (mais ridículo impossível).

Bons humoristas e cômicos trabalham, às vezes mesmo sem ter consciência, com imagens que trazemos desde os tempos em que o homem das cavernas emitiu algum ruído parecido com uma risada ao ver um colega de caçada escorregar em uma casca de banana.

Casca de banana, aliás, quase sempre rende uma risada. Por quê? Simplesmente porque estamos vendo um sujeito, aparentemente igual a nós, exposto a uma situação humilhante. Estamos “superiores” a ele e isso nos dá o direito de rir do coitado. É com esse elemento básico que grandes autores cômicos trabalham.

Em suas comédias, o autor francês Molière (1622-1673) não fugia à regra. Seus personagens invariavelmente aparecem em situações que nós, da platéia, achamos absurdas: é o velho rico e avarento querendo casar-se com uma mocinha bonitinha, e por aí vai. Num drama ou numa tragédia grega, a situação é oposta. Somos sempre inferiores ao herói, aquela pessoa fantástica, fiel a seus ideias, uma fortaleza de músculos, etc. Admiramos o herói e sofremos por ele. Jamais alguém riria do rei Édipo, que matou o pai e casou-se com a mãe e, ao descobrir a verdade, fura os próprios olhos.

Um pensador russo, chamado Mikhail Bakhtin, colocou tudo isso no papel, quando escreveu A cultura popular na Idade Média e no Renascimento. No livro, escrito na década de 40, Bakhtin analisa o que fazia rir os homens medievais – e nada mudou. Eles riam de anões, gigantes, padres assanhados e chegavam ao ponto de, todos os anos, celebrar a Missa do Asno – quando colocavam no altar um burro, diante do qual todos se ajoelhavam e rezavam. Era uma grande farra. Hoje em dia ninguém faz esse tipo de missa, mas continuam rindo de tudo o que foge do padrão ideal de beleza. É isso que provoca o riso – para alegria de boa parte dos telespectadores, que relaxam e se divertem.

O “Casseta & Planeta” não é o pior nem o melhor programa humorístico da televisão brasileira. Situando-se entre ambos os extremos, ele é, por isso mesmo, particularmente exemplar de uma maneira cediça e cansada de pensar (e encenar) o que é que deve ou pode ser cômico, engraçado, divertido. Entre outras coisas, o humor desempenhou muitas vezes a função de um espelho que a sociedade colocava diante de si para, por meio da própria imagem deformada, compreender-se melhor. Quando se chega, no entanto, ao ponto em que está, tudo indica que as formas do humor, tendo sobrevivido a seus conteúdos, não têm mais utilidade e tornaram-se, inclusive, contra-produtivas, atrapalhando o surgimento de coisas mais interessantes.

Fonte: Escola São Paulo [adapt.]

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